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A BROMPTON WEEK – GISELA (parte 1)

Passaram já uns meses desde que desafiámos a Gisela, cliente e amiga de longa data, para a nossa Brompton Week. A Gisela é arquitecta e investigadora na FAUP, onde se dedica às questões da habitação. O projecto em que está actualmente a trabalhar pode ser conhecido aqui.

A nossa conversa, que teve lugar entre o Manifesto e o terraço da nossa Megastore do Palácio, andou à volta da sua rotina no Porto, de bicicleta ou scooter e daquilo que é a forma como a cidade é concebida.

Trabalho actualmente no Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo da Faculdade de Arquitectura do Porto, que fica perto de minha casa, na zona do Aleixo. São cerca de três quilómetros por percurso, nada de especial, por isso tenho alguma liberdade para realizar esse trajecto em qualquer meio de transporte.

Tendo automóvel, mota e bicicleta ao dispor, posso confessar que talvez seja a mota o meu preferido, mas não posso negar que me atrai imenso subir e descer a Rua do Campo Alegre de bicicleta, especialmente porque me ando a baldar completamente ao ginásio.

A conversa passou também, inevitavelmente, pelo estado do trânsito na Cidade, que é, a bem dizer, parado. Curiosamente, no mesmo dia em que está a pôr a conversa em papel, o duende que está a redigir este texto teve mesmo de pegar no carro meia dúzia de quilómetros, para transportar um volume grande, e ficou parado mais de uma hora, pelos visto algo muito natural no Porto dos dias que correm. O trânsito está completamente parado e com tendência a parar ainda mais. Quem hoje em dia toma a decisão de, todos os dias, pegar num automóvel pode contar com caos e com poucos sinais de melhoria, numa altura em que a retoma económica traz cada vez mais gente para o centro da Cidade. A este custo de tempo, ainda vai poder somar o custo do estacionamento, que é cada vez menos e cada vez mais caro.

Neste mesmo dia, o vosso duende teve também uma conversa sobre este artigo, onde se lê que em Portugal, um dos três países mais seguros do Mundo e cujo clima deve estar mais ou menos na mesma posição, 75% das crianças vão de automóvel para a escola. Nessa conversa, alguém mais velho disse que quando começou a trabalhar o normal era andar a pé, de eléctrico ou trólei e que vai ser complicado tirar o automóvel a uma geração que, desde o primeiro ano de vida, se habituou a ir de carro para todo o lado.

É precisamente este tema que nos leva a recuar até a esse dia em que nos sentámos com a Gisela, que ao falar de planeamento urbano e dos planos para a habitação económica, nos contou que, nas décadas de cinquenta e sessenta, as pessoas não tinham problemas em ir a pé para o trabalho. Os bairros foram construídos a dois ou três quilómetros dos centros e caminhava-se ou pedalava-se até ao destino ou até ao transporte mais próximo. Houve, de facto, a preocupação em localizar estrategicamente os bairros, tendo em conta os tempos de deslocação de e para o trabalho sem recurso ao automóvel privado.

Foram sendo construídos bairros pequenos para a classe média com esta mesma preocupação. A burguesia, com a automobilização, começa a afastar-se para a periferia, como as Antas ou a Foz, porque o centro não tem lugar para estacionar, apesar das grandes garagens de recolha que se vão construindo. Depois, uma boa parte do resto das pessoas também se afastou, mas para mais longe e isso levou ao paradigma actual, muito dependente do transporte individual. Este problema ainda se coloca hoje, de forma muito evidente.

Voltando aos dias de hoje, (apesar de terem passado mais de duas estações do ano desde o dia da entrevista) a rotina de mobilidade da Gisela inclui uma vespa e uma bicicleta. Depois de um acidente com a scooter não muito grave, mas dispendioso, a bicicleta acabou por ganhar preponderância já que, durante uns tempos, ficou sem grande cabeça para voltar a pegar na mota.

As subidas não me custam muito, o problema é a concorrência com o automóvel. Ninguém respeita o ciclista ou o Código da Estrada. Para isto se tornar um hábito e uma rotina, é necessária disciplina.

Mesmo assim, persiste e não é só ela. Quando chegou de Viseu ao Porto, há 20 anos, toda a gente ia de carro para a faculdade.

Hoje em dia são muito menos e já há muitas bicicletas no parque da FAUP. Não sei se o poder de compra é agora diferente ou se são novas mentalidades. Se calhar uma coisa leva à outra .

Com o agravar do trânsito no Centro do Porto e dos custos do automóvel, a Gisela relembra que “Muita gente está a migrar para as scooters, mas estas não são a solução nem são para todos, a bicicleta oferece uma alternativa que é mais fácil de introduzir na rotina”.

Se calhar, há uma geração entre aquela que leva os filhos para todo o lado de carro e aquela que vai no carro dos pais para todo o lado. Esta geração no meio pode fazer a diferença e influenciar positivamente quem faz a cidade. A bicicleta é cada vez menos do ciclo-activista a entrar na meia idade e cada vez mais dos estudantes, dos jovens profissionais e dos turistas que todos os dias, contra as recomendações dos seus automobilizados anfitriões, vão de bicicleta com a maior das naturalidades.

(continuar para a Segunda Parte)

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