“Encontrei o meu vizinho cá em baixo. Entrei no elevador e bem, sabes, é que ele ficou muito admirado por ver o antes e o cinco minutos depois, já lá em cima com a bicicleta dobrada.”
A Inês foi a terceira convidada para a nossa Brompton Week e esta semana foi a sua estreia de bicicleta no Porto. Esta pequena frase com que abrimos o texto, mostra um pouco daquilo que é uma conversa com a Inês, sempre cheia das pequenas anedotas do quotidiano.
Se costumas vir ao Mercado de Matosinhos, então a cara da Inês não te deve ser estranha, uma vez que ela é a responsável pelo dia-a-dia do nosso vizinho Manifesto. Para além dos dias à volta do café “de especialidade” e do quiosque, a Inês é também editora da NEVOAZUL, que se lê ‘névoa azul’, uma revista sobre menos e mais e um convite ao equilíbrio. Tem 27 anos e uma licenciatura em Ciências da Comunicação feita na Covilhã. Depois veio para o Porto fazer um mestrado e anda por cá desde então.
A nossa conversa sobre a semana com a Brompton andou sempre à volta da noção de Minimalismo e da sua forma de olhar a vida (e o consumo), algo que temos em comum.
A propósito de Tati, a Inês escreve que a tecnologia é “a velha falácia que nos faz comprar mais, preservar menos e substituir as relações humanas por máquinas num piscar de olhos”.
Também no mundo das bicicletas, este é o eterno paradoxo. É o veículo simples por excelência, mas o ponto central de um mercado onde se inova à bruta para estimular o consumo. Um mercado onde se gastam e investem milhões a cada temporada que passa. Curiosamente, o que nos atrai na bicicleta e aquilo que é essencial neste objecto genial, foi inventado há mais de cem anos. A forma “duplo-diamante” do quadro, a roda livre, a câmara de ar e o no-nonsense das soluções que persistem sempre, por muito que se procurem substitutos. É por isso que não somos pessoas de ir às grandes feiras internacionais, mas tentamos não falhar a peregrinação anual à Bespoked.
A Brompton é também um paradoxo. É encarada por muitos como um gadget. Cem por cento analógico, mas um gadget. Algo que tanto pode ser um objecto de um desejo materialista e superficial, como pode ser uma verdadeira necessidade, algo insubstituível na rotina da pessoa urbana.
Contudo, a marca faz a mesma coisa há quarenta anos e a noção de “temporada” é uma coisa com pouco sentido. A filosofia de “fazer uma coisa bem”, de inovação incremental, de melhorar um bocadinho de cada vez e de ser incontestavelmente o melhor naquilo que se faz. A Brompton está há quarenta anos, continuamente, a inventar uma bicicleta, para que esta possa ser a única que a maioria das pessoas precisam para a sua vida na cidade.
É neste ponto que começa a nossa conversa.
“Falando de outro filme do Tati, o Drive, eles vão levar um carro a uma exposição, acho que é uma autocaravana, cheia de truques, mas uma coisa muito complicada em que as coisas só quase que funcionam. Ainda não tinham chegado lá. Tudo funcionava só mais ou menos. Quando vi a Brompton, lembrei-me do filme, mas porque é a boa concretização. Há muita gente que tenta reinventar a roda, mas isso dá muito trabalho e pode demorar anos, só alguns é que chegam lá. A complexidade é uma ideia basilar do minimalismo. São necessários anos e anos de trabalho para se chegar a algo fundamentalmente simples.
O meu avô, pessoa muito interessada pelas coisas inteligentes, achou a Brompton espectacular. Só a viu através de uma fotografia que lhe mostrei, mas foi suficiente para me encher de perguntas. ‘Não é preciso nenhuma chave para ficar tão pequena? Isto para dar certo tem que estar mesmo muito bem feito.’
Logo no primeiro dia, quando entrei no autocarro, o motorista perguntou-me se isto que trazia era uma bicicleta. Passado um bocado disse-me lá da frente que precisava de uma para ele, para ir ao seu lado no autocarro. Quando me fui sentar, ficou a olhar, a ver o que é que eu fazia com a Brompton. Fui para um lugar normal, com a bicicleta ao meu lado, não precisei de ir para um sítio mais à larga ou de ir no meio. Ele passou uma boa parte do caminho a observar a bicicleta pelo espelho.”
A Inês tem carta, mas não conduz um carro. O dia em que lhe entregámos a bicicleta, foi o primeiro em que saiu para a estrada no Porto. Na cidade, normalmente anda de autocarro, porque não gosta da ideia de estar presa a uma coisa como uma garagem. Contudo, o autocarro, ou o Metro, também não são aquilo que mais gosta.
“O autocarro parece uma continuação do dormir. Um não espaço, tempo perdido. Parece que só começo o dia quando chego ao destino. Com a bicicleta sinto que o dia começa logo quando saio de casa. O autocarro é porta-a-porta, mas com a bicicleta vejo a cidade, sinto o cheiro das coisas”.
Concordamos, claro. Viajando passivamente, limitados pelo espaço físico e pelo ritmo do trânsito, ficamos a olhar para a cidade como se estivéssemos a olhar para um ecrã. Com a bicicleta, pelo contrário, a ligação é real e somos muito mais activos nesta relação. Até a nossa maior vulnerabilidade e as escolhas que fazemos para estarmos seguros tornam a experiência muito sensorial, porque estamos alerta e a absorver tudo o que se vai passando à nossa volta. Voltámos de novo à NEVOAZUL e a um texto sobre Kintsugi, a arte japonesa de transformar cerâmica partida em algo mais valioso, ao colar as diferentes partes com ouro. A bicicleta, especialmente uma tão integrável na nossa rotina como a Brompton, pode também ter este poder curativo, o de colar os cacos do dia, transformando-o em algo mais valioso e memorável. Um elogio à calma e aos pequenos prazeres da vida. Lembram-se como começámos o relato sobre a semana do Mike?
A dada altura, tropeçámos no 24 hours, 24 waves da Katte Geneta. Alguém como nós, que passou a vida toda ao lado do Atlântico, não pode ficar indiferente. As nossas melhores memórias em cima de uma bicicleta têm quase sempre o oceano como pano de fundo.
Mas a Inês não cresceu ao lado do mar. Curiosamente, a sua relação com as montanhas não é muito diferente, porque estas também estão sempre presentes para aqueles que nasceram ao seu lado.
“Vinda da Guarda, do interior montanhoso, a chegada ao Porto foi muito marcada pela presença do mar. Mas, esta passou a ser muito mais forte no momento em que comecei a vir todos os dias para Matosinhos e ainda mais intensa quando comecei a usar a bicicleta.
Há muitas diferenças entre estar aqui e estar na Guarda. Cada viagem de três horas no autocarro é um momento de transição. Preparo-me para as montanhas, para um outro respirar e para um dia com um ritmo diferente.
Quando venho a pedalar, a descer a Boavista, consigo ter um bocadinho disto, uma pequena transição. A passagem pelo Parque da Cidade faz-me lembrar um bocadinho o estar na Guarda, mas com o cheiro a mar.”
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