Texto: Velho Lau. Fotografia: Velo Culture
Antes de começar, uma pequena nota. Este não é um texto anti-tecnologia. A tecnologia é boa, útil e até pode ajudar a bicicleta a ser o transporte do futuro. Acontece que prefiro a minha bicicleta sem ela. É como o café sem açúcar, que sabe mais a café.
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A minha, é uma bicicleta simples. É das que pode ser reparada. É um direito que tenho, o de reparar as minhas coisas ou pedir a alguém para o fazer a um preço justo, ou até a um amigo com jeitinho de mãos (até mais isto, felizmente tenho um ou dois com queda para a coisa). É também um direito meu, deixar as minhas coisas aos meus filhos e que eles também as possam reparar e utilizar, sem se preocuparem com peças que já não se fazem e programinhas informáticos que já não se actualizam.
Gosto mesmo de ter uma bicicleta assim. Rápida, porque me leva devagar ponto a ponto, porta a porta e não tenho que me preocupar com ela. Não é isso que é a liberdade? Com uma bicicleta destas não preciso que uma app me diga quando vai chegar o meu transporte ou quanto esse vai custar (e é se quero). Neste mundo, cada vez mais partilhado, a minha bicicleta pode ser transacionada, porque é minha. É minha e vai desvalorizar menos do que a senhora ou o senhor automobilista gastam numa revisão na marca. Se calhar até custou menos que isso.
A minha bicicleta é simples, daquelas de amarrar ao poste em frente ao trabalho, ignorando a recomendação dos zelosos burocratas camarários, que pedem para as deixar num parque de estacionamento da autarquia, como se a longa caminhada de regresso não fosse completamente antagónica do “pensar bicicleta”. Na minha bicicleta paro no sinal vermelho e, ainda assim, dentro das regras, sou o primeiro a chegar.
Na minha bicicleta, aprendi a utilizar a cidade a meu favor, empurrando-a numa subida íngreme, ou descendo rapidamente quando a subida começa a descer. Não preciso de mais uma app tontinha a indicar o melhor caminho. É uma bicicleta que não tem Internet das coisas, como as que nos vendem como sendo o futuro. Não manda dados para uma nuvem, que não é mais do que o computador de uma pessoa que não sei quem é. Pedacinhos de informação inútil, que andam para lá e para cá a deixar rasto a cada pedalada dada, uma marca de pneu electrónica. É uma bicicleta simples, que não precisa de pilhas e que por isso, as pilhas não acabam. Uma bicicleta que não está no meu iPhone.
Na minha bicicleta, sou eu quem tem o controlo nesta cidade toda inteligente, toda partilhada, toda appizada, toda ligada, toda vigiada, toda auto-guiada, toda “livre”, só que não. A minha bicicleta é a minha individualidade, mas também sou eu a ajudar a reclamar o direito de todos ao espaço público.
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A minha bicicleta pode ser conhecida com mais detalhe no postal Uma Raposa Indolente.