Texto: Inês Catarina Pinto / Fotografias: Velo Culture
Mas serão as minhas deslocações de bicicleta também fruto da nostalgia? Porque se é para atribuir culpas, não posso evitar culpar o bom senso.
Vive-se o ano de 2018 e hoje, numa manhã comum, ainda não vi nenhum carro a sobrevoar os céus. As roupas que visto também não são feitas com o luminoso e fluorescente plástico que parecia forrar os sonhos futuros da década de cinquenta. Mas quem os pode culpar pela imaginação fértil de uma sociedade longínqua? O mundo estava a avançar rapidamente, a roupa lavava-se sozinha e o tamanho das televisões aumentava proporcionalmente ao dos carros nas garagens. O futuro teria de ser esse sonho brilhante de automação, velocidade e tecnologia. Que desiludidos ficariam, se nos vissem a nós, homens e mulheres do futuro, a pedalar estrada acima, estrada abaixo, esse veículo que ninguém quer deixar esquecer, a boa velha bicicleta.
Há quem culpe a nostalgia por este apelo ao passado. Afinal, os gira-discos voltaram a dar música, as publicações impressas reinventaram-se e estamos novamente a dar valor ao tempo que passamos longe dos ecrãs. Mas serão as minhas deslocações de bicicleta também fruto da nostalgia? Porque se é para atribuir culpas, não posso evitar culpar o bom senso.
Antes de ter a minha Tokyobike, as minhas deslocações do Porto para Matosinhos eram passadas em autocarros barulhentos ou em metros apinhados. Se estava sonolenta, sonolenta ficava. Eram trinta minutos de pouco fazer. Claro que a minha mochila estava sempre cheia de revistas para ler, mas nem sempre a viagem me permitia a concentração que eu desejava. Havia mil razões para trocar os transportes públicos pela bicicleta, mas a nostalgia nunca foi uma delas.
O meu entusiasmo estava em poder sentir o sol da primavera directamente na minha pele, poder escolher os caminhos a percorrer, conseguir sentir o cheiro dos eucaliptos e a brisa do mar pela manhã. Era apenas isto, percorrer meia cidade, passar da estrada ao parque e do parque à praia, e sentir que cheguei ao meu destino sem comprometer os valores em que acredito, sem gastar energias fósseis ou nucleares ou prejudicar o ambiente.
A bicicleta pode ter sido em tempos sinónimo de um meio de transporte para crianças ou para quem não tinha a “sorte” de ter um carro. Para mim ela é a companhia ideal para os imprevistos do futuro. É sinónimo de liberdade de escolha e de movimento, e permite-me organizar facilmente os meus percursos diários sem a rigidez de horários ou o medo de imprevistos. Porque se há uma coisa que já aprendemos, é que as previsões sobre o amanhã não costumam ser de fiar, já o bom senso não costuma desiludir.