O mote para este passeio estava definido – uma pedalada longa e relaxada no dia 6 de Janeiro para comemorar o terceiro aniversário da loja do MMM.
Tratando-se de um dia da semana, para não variar, a lista de candidatos foi curta, tendo sido o grupo constituído pelos suspeitos do costume, o Homem sem um nome com três letras e o Velho Lau, aos quais se juntou o Bernardo, o quarto elemento da equipa da Velo Culture em Matosinhos.
O plano inicial era ir a Mira e voltar pela estrada passando por Aveiro, mas as coisas com os duendes tendem a ser alteradas à última da hora e desta vez, para não variar, acabámos por mudar de planos a meio do caminho e por trocar a meta de Mira por uma volta maior e bem prolongada pela Ria de Aveiro.
A saída foi à hora do costume, 6h40 em Matosinhos e 7h15 na Ribeira, esta última palco do cimbalino madrugador da praxe e da habitual troca de mimos sobre a indumentária de cada um.
Os primeiros quilómetros, em direção à primeira paragem no Senhor da Pedra, foram feitos num silêncio sepulcral, já que não deviam estar mais de dois graus e estava aquela humidadezinha que se entranha e é tão típica da nossa querida Invicta. Silêncio que foi quebrado apenas por uma vez quando relembrámos o episódio hilariante num dos treinos semanais em que o Sr. Teixeira e a sua Titan quebraram todos os recordes do Strava no troço chamado “Pavé da Arrábida”, quando decidiu ir para o passeio para fugir ao paralelo e acabou por ser perseguido por um jéco que não gostou de o ver a ir por ali.
Chegados ao Senhor da Pedra, já mais quentes, fez-se o primeiro balanço à moral da tropa e aproveitámos para dar a primeira relaxada, bem regada a Isostar, pão com marmelada e barritas do Pingo Doce (daquelas que são chocolates disfarçados de coisa saudável).
Depois fomos sempre a pedalar pela beira-mar até Espinho, tendo depois seguido pela N109 até Esmoriz, onde apanhámos a estrada florestal em direcção ao Furadouro. Na estrada florestal parámos no sítio do costume, na curva do aeródromo, entre a sinalização para os aviões e cercas de arame farpado. É provavelmente o sítio mais feio de uma das estradas mais bonitas para andar de bicicleta. Depois fomos sempre ligeirinhos já a pensar na seca que é a estrada da Ria que liga a S. Jacinto.
Ainda pela estrada florestal, fomos cruzando com outros ciclistas, que deram o mote para mais uma longa conversa sobre boas maneiras na estrada, já que poucos (ou nenhum) se dignaram a estragar a sua posição “aero” para virar a cara para responder aos cumprimentos dos companheiros de estrada. Há coisas que o dinheiro que paga as BMC e os equipamentos de inverno Rapha desta vida não paga, como a cortesia e a boa onda. A ideia com que ficamos na estrada, é que quanto melhor e mais impecável é o kit, menor é a educação recebida em casa.
Passado o Furadouro e já na estrada para a Torreira, fizemos as pazes com o resto do pessoal na estrada, pois quanto mais cruzávamos com pelotões de ciclistas de meia-idade, mais efusivas eram as saudações que recebíamos.
Quando passámos a ponte e apontámos à Murtosa, meca ibérica do ciclo-fixe, as boas energias começaram a tomar conta do trio. Talvez tivesse sido o pouco calor que o sol conseguia fazer chegar cá abaixo, mas alguém disparou:
“vamos pagar uma promessa, ou vamos indo com calma a apreciar o caminho?”
Como concluímos que ninguém estava a pagar promessas e também ninguém estava com vontade de passar o dia na 109, decidimos mudar o plano e ir explorar os braços de ria e os percursos da Cicloria. O regresso seria feito no Suburbano partindo de Aveiro.
Pronto, estava o caldo entornado. A partir daqui, tudo foi pretexto para parar. Tome-se em atenção o seguinte quilómetro:
Nesta altura seriam umas onze da manhã e nas duas horas seguintes tivemos dos melhores momentos que passámos em cima de uma bicicleta, pedalando por caminhos de terra, com percursos bem sinalizados, sempre a acompanhar os canais.
A envolvente da Murtosa é de outras latitudes, com muitas bicicletas encostadas por todo o lado, muitas delas com cadeiras de criança montadas e tudo sem cadeados, com a paisagem bem temperada por canais, eclusas e claro, a calma da Ria.
Quando a fome começou a apertar, decidimos ir almoçar a Aveiro, já que o Bernardo tinha trocado o plano inicial, o de preparar o almoço na véspera, por uma tainada num dos seus tascosos de eleição. Convinha assim que o rapaz se abastecesse.
Fomos assim novamente até à 109 pela qual seguimos até Aveiro, num cenário pesadélico de camiões, bombas de gasolina, restaurantes manhosos e razas de condutores apressados pela fome.
Aveiro, que gosta de ser conhecida pela cidade das bicicletas, é, curiosamente, muito pouco amigável para quem chega a pedalar. Houve uma altura, em que íamos numa berma estreita e esburacada quando reparámos nos sinais com uma bicicleta pintada. Era uma ciclovia.
O almoço foi tão eclético quanto o grupo:
Ciclista A – dois tupperwares de massa com salmão, tomate seco, alcaparras e manjericão, tudo regado a Isostar. À sobremesa, laranjas.
Ciclista B – sandes mista com tomate e alface, regada por um bidão de uma mistela de água, sal e mel a saber a leite. À sobremesa um leite de soja (sabor a frutos vermelhos), uma banana e uma barrita (light).
Ciclista C – quatro bolinhos de bacalhau e uma bifana regados a Super-bock. À sobremesa, um gelado com três bolas todas iguais, de uma cor esverdeada.
Já mais recompostos e com os pés finalmente descongelados, decidimos continuar a exploração da Ria, rumando a Ílhavo e depois à Gafanha da Encarnação. O plano era ir pela Costa Nova, mas uma atrapalhação numa saída e a preguiça de voltar para trás ditaram o desvio. Daí foi sempre para Sul até ao final do braço de Ria. Nota para referência futura: um mapa das estradas de Portugal com Portugal inteiro lá dentro não tem a melhor escala para descortinar pormenores locais.
Mais à frente, o plano de ir até Mira furou, literalmente, quando o Homem que não tem um nome com três letras disparou:
“Pessoal, acho que tenho um furo”
Com o diagnóstico confirmado e amaldiçoados os pneus japoneses de cinquenta euros cada que não resistem a estradões de terra, o nosso ciclista lá decidiu aplicar o spray anti-furo milagroso, tendo voltado à estrada poucos minutos depois.
Passados poucos metros, o pneu volta a esvaziar. Nada a fazer, era preciso trocar a câmara de ar e rezar para que uma das câmaras 700 cumprisse a sua função nuns pneus 650b. Tirado o pneu, lá se encontrou o culpado: um vidro convictamente cravado na borracha. A culpa afinal não foi dos pneus nem dos estradões, mas da ressaca de uma noite qualquer de copos no centro de Aveiro.
Pararam assim as tropas mais um bom pedaço, com o pessoal alapado na areia a dizer ao mecânico de circunstância para demorar o tempo que fosse necessário, que a vontade de voltar à estrada já era pouca. Depois de um e outro telefonema às patroas, lá decidimos começar o regresso para chegarmos a tempo do suburbano das 18h20, que nos punha no Porto ainda a horas decentes.
A passagem por Aveiro em hora de ponta fez-se bem. De registar o facto de, bem no centro da intitulada capital das bicicletas, nos termos cruzado com ZERO bicicletas no percurso até à estação, onde estava apenas uma amarrada cá fora.
Na Estação, ainda fomos obrigados a uma manobra diversiva para despistar um simpático rapaz de Ovar, trolha na Murtosa, que meteu conversa no urinol e que conseguiu passar dez minutos a fazer perguntas. Estávamos já cansados e era impossível darmos a devida atenção a tão dedicado interlocutor, tendo-se por isso decidido que tínhamos que ir lanchar.
A viagem de regresso fez-se bem, no quentinho do comboio, com o Velho Lau a levar festival dos outros dois à conta dos quilómetros de bónus que ainda tinha que pedalar até chegar a Matosinhos.
Bem contados, foram 165 quilómetros, num percurso que podem ver neste mapa aqui em baixo.
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