A Rita é uma Designer de Produto de Castelo Branco, agora a viver no Porto, onde se dedica de corpo e alma à Dome Ethical Store. O Nuno, lisboeta, é economista e há uns anos deixou a vida corporativa para se dedicar à Blindesign.
A propósito do lançamento da primeira “Uma Loja na Oficina”, o Nuno Mesquita e a Rita Cortes Valente, duas das caras da Dome, estiveram à conversa com o Velho Lau, com o tema dos negócios responsáveis como pano de fundo.
Metade ou Parte da ideia da Dome nasce na Guatemala, ou a Guatemala é o rastilho para a entrada da Rita em cena na Blindesign (Mezze – Pão a Pão, A Revolta das Embalagens). É aqui que começa também a nossa conversa.
Rita: Conheci o Nuno e a (outra) Rita há mais ou menos dois anos, acabadinha de chegar de uma estadia de cinco meses na Guatemala, de onde vim cheia de ideias. Vi coisas fantásticas e a ideia de fazer algo como a Dome começou a nascer lá.
Nuno: Um dia a Rita bate-nos à porta com a ideia da Dome e a falar da Guatemala. Acabámos por empatizar logo. Bem, a Guatemala é um sítio que marca e a mim marcou-me mesmo quando, depois de deixar a “vida corporativa”, decidi viajar. Foi o ponto alto da viagem e foi lá que me inspirei para muito do que diz depois. Só quem já esteve na Guatemala percebe o que quero dizer.
R: É um país totalmente diferente de tudo o que conheço. E intocado. É fácil ficar-se apaixonado.
Velho Lau: Não deve ter sido muito difícil convencer o Nuno.
R: Curiosamente, a minha proposta veio mesmo a calhar. A Blindesign tinha na gaveta um projecto semelhante.
N: Exacto! Era uma daquelas ideias que foi ficando à espera da melhor altura para ser lançada.
R: Eu já tinha as marcas pensadas e muitos contactos feitos, mas não tinha pensado no modelo de negócio, que por acaso era a coisa que a Blindesign já tinha estruturada.
N: Mas faltava uma pessoa na equipa.
R: Eu!
N: Acabou por ser a situação ideal. A Dome, tal como os outros nossos projectos, está ligada à empregabilidade. Procuramos criar impacto com modelos de gestão, não com assistencialismo, contrariando a ideia que não se consegue impacto económico com projectos sociais. Há muito comodismo e uma forma enviezada de se fazerem as coisas, como na distribuição dos apoios. Para que é que servem a maior parte das ONGs?
VL: Mas também há muitas empresas a fazerem green washing e cheias de tangas comerciais sobre a sustentabilidade.
N: Sim, é verdade. E isso começa logo nas agências de comunicação, que fazem fogachos por tudo e por nada e acabam por contaminar quem está a fazer bem feito.
R: O impacto de curta duração, dura apenas o tempo da campanha.
VL: Isso tem um nome… corporate bullshit.
N: É isso. Temos que concorrer com as agências de publicidade que trabalham com as grandes empresas que querem, fundamentalmente, retorno publicitário rápido e sem grande trabalho. O nosso modelo é completamente diferente. Por exemplo, com três meses da Revolta das Embalagens, a Tetra Pak teve um retorno 30 vezes superior ao investimento. Neste caso foi possível causar impacto social e ambiental real e gerar crescimento para o promotor. Isto não é ir passar uma tarde a um lar com as câmaras atrás e depois voltar à vida do costume. Quero ver o que está a fazer daqui a 10 anos quem agora comunica “social”.
Há, felizmente, exemplos a seguir, mas a vida não é fácil para os empreendedores sociais que procuram fazer crescer os seus negócios. Como manter o impacto, quando os accionistas querem apenas lucros? Quantas empresas do Forbes 500 teriam lucro se o seu impacto fosse parte da fórmula de cálculo?
VL: voltando à Dome. Como é que esta forma de pensar o mercado se reflecte no que vendem na loja?
R: Uma das nossas preocupações é encontrar marcas que contrariem a noção mainstream de como um produto deve ser vendido e aquela que será a relação do cliente com o que está a comprar. Contrariar a ideia de que, para sobreviver, uma marca tem que confiar em truques como a obsolescência programada. Para além da dimensão cultural e social e de outras questões relacionadas com o ambiente, o compromisso com a longevidade é, para nós, incontornável. Também queremos estar preparados para um público que faz perguntas. As pessoas agora já querem ter a certeza que isto não é green washing.
VL: O consumidor como proprietário, não utilizador. Há a questão do direito à reparação. Há uns tempos partilhei na nossa Gazeta do Ciclista (a newsletter da Velo Culture) um artigo sobre um movimento de agricultores que anda a piratear as suas próprias máquinas, revoltados com o facto de agora dependerem de outros para repararem até as avarias mais simples (ler aqui).
N: As marcas deveriam ser obrigadas a ter peças de substituição e a não fazer coisas que se estragam, mesmo existindo alternativas robustas. Sabes o que encontrei um dia em que abri o elevador do vidro do meu carro para o reparar? Uma peça de plástico partida. Aquilo podia ter sido feito de outra forma por mais alguns cêntimos. Mas fizeram de plástico, para eu ter que comprar uma nova e pagar a reparação.
R: Mesmo com um cuidado generalizado, haveria sempre consumo desnecessário, que não vai deixar de existir, e outro que não conseguiríamos evitar. Por isso, o nosso poder enquanto consumidor começa com a escolha. E é nossa obrigação, enquanto negócio, passar a mensagem de que se pode, de facto, escolher produtos com impacto e premiar as empresas que os produzem e comercializam.
N: Mais pessoas deveriam querer saber o que estão a comprar, mas já há empresas que trazem para a comunicação a qualidade do processo. Muitos consumidores já sabem que há a realidade e há o marketing. Que há distorções grosseiras. Tipo a pele vegan que é… plástico.
R: Sim, mas ainda há muita ligeireza na utilização dos conceitos. Porque é que a pele de plástico feita sabe-se lá onde e em que condições é mais sustentável que a pele processada seguindo princípios ambientais rigorosos? Produzir plástico é melhor que utilizar um subproduto de uma das maiores indústrias, que se assim não fosse seria mais um resíduo a tratar? E qual o impacto ambiental desse tratamento?
VL: Bem, a velha história de “novos” agricultores biológicos vestidos de acrílico barato do shopping.
N: Ou teres os produtos biológicos em embalagens individuais de plástico. Um projecto que gostava de lançar seria um que evidenciasse a quantidade de plástico que uma família deita fora todos os dias. Mesmo com a comida, a desinformação e falta de cultura é terrível. Consumir local é bom, mas melhor ainda seria se essa produção fosse obrigada a ter indicação dos quimicos que foram utilizados nas culturas.
R: Na moda é só um bocadinho melhor, mas não há desculpas para se vestir plástico. Tudo tem etiquetas com informação sobre a composição. Não faz é sentido teres uma camisola com dez etiquetas e nenhuma dizer como é que o produto foi feito e por quem. Ou de onde veio a matéria prima.
N: Há áreas em que isso está a acontecer, porque o consumidor e as marcas são confrontadas com as acções. Os diamantes em África, por exemplo.
VL: E vocês conseguiram escolher para a Dome marcas que sejam totalmente transparentes ou com boas práticas em todas as dimensões?
R: Pela natureza de muitos destes projectos, é impossível ter tudo a bater nos 100% em todas as dimensões. A nossa classificação dos produtos ajuda o consumidor a perceber o impacto de cada um.
VL: Há que ajudar a passar ao nível seguinte. Sabes que a Danone tem áreas de negócio B Corp e querem certificar a empresa toda? Eles são gigantes e utilizam muito plástico. Ouvi há dias um podcast (este) em que se explicava esta lógica de o impacto não existir a 100% e de haver margem para melhorar. A própria Patagonia não gosta de se assumir como “sustentável”, mas sim como “responsável”. Dizem que ser sustentável é uma coisa completamente diferente, que não poderiam vender produtos sem pressionar o ambiente. A ideia deles é que, de facto, o balanço é sempre negativo e que cabe a cada empresa minimizar essa pressão e avaliar permanentemente a forma como estão a actuar e o que pode ser melhorado. Há questões que agora são questões, mas que há 20 anos não eram faladas. E daqui a 20 anos haverá outras. Sem estarem sempre a colocar em causa o que se estão a fazer nunca teriam feito a transição total do algodão convencional para o orgânico, por exemplo (mais aqui).
R: Nós exigimos que cada marca cumpra 70% dos nossos critérios. Não conseguimos mais que isso dada a natureza dos projectos. Em muitos deles o impacto numa determinada área é tão grande, que acabamos por os promover mesmo não sendo tão fortes noutras áreas. Há contudo marcas que não passam. Neste momento já começamos a fazer, com as marcas portuguesas, a sensibilização para esta necessária evolução. Para além de estarem mais próximas, trabalham numa realidade diferente.
N: Nós próprios temos pressão para acrescentar pontos de avaliação, aumentando a nossa exigência.
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A DOME Ethical Store: D.O.M.E – Design Objects Meet Ethics foi a primeira loja online em Portugal dedicada a marcas de design responsáveis e sustentáveis e promove o consumo ético através da selecção criteriosa de produtos únicos e da partilha das histórias inspiradoras por trás de cada projecto. A origem é realmente importante para as pessoas por trás da Dome, que exigem saber quem fez os produtos e em que condições e de onde vieram os materiais utilizados.
Uma Loja na Oficina é uma iniciativa lançada pela Velo Culture. Quatro vezes por ano, convidamos marcas que partilham os nossos valores e forma de estar a abrir uma loja temporária na nossa oficina da loja em frente ao Palácio de Cristal. Mais do que um espaço temporário, onde durante duas ou três semanas se vendem coisas boas, bonitas e feitas para durar e de forma ética, a “Uma Loja na Oficina” é uma iniciativa de aprendizagem, onde as duas marcas vão ter oportunidade de se conhecer melhor e crescer um pouco mais.
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